"Quando abrimos os olhos, abrem-se as janelas do corpo, e o mundo aparece refletido dentro da gente." (Rubem Alves)
VALE QUE VALE CANTAR
Por Débora Casapê
Um dia antes da viagem, conversando com um amigo sobre a comunidade que iria, ele disse:
_ Nossa! Deve ser muito ruim o homem viver assim, longe de tudo, sem contato com o mundo. Hoje em dia a gente precisa de tanta coisa pra viver!
Daí eu pensei: _ Será que precisamos mesmo?
E logo disse a ele: _ Não. O legal, o interessante e a idéia é você estar nesses lugares e ver que existem pessoas que ainda vivem de forma mais simples que imaginamos, e que vivem bem. E, além disso, ver que nós também conseguimos e vivemos mais felizes desapegados daquilo que julgamos precisar.
Ele pensou e concordou comigo falando um ‘é’ meio desajeitado.
Viajei. E meu propósito de vivência dessa vez era trabalhar a percepção, a comunhão dos sentidos.
Em um dos meus dias de estadia, sentada no mato e cantando pr’um bambuzal, me peguei pensando naquela conversa.
Silenciei meu pensamento e observei o que acontecia ao meu redor.
. Urubu voando alto no céu azul;
. Borboleta branca voando mais baixo e no sentido contrário;
. Borboleta vermelha pousada no chão.
. Barulho do vento passando pela mata;
. Barulhos de bichos andando nas folhas secas;
. Lindos cantos de diversos pássaros;
. Formigas carregando folhas;
. Abelhas tirando néctar das flores;
. 1001 flores;
. 1001 cores;
. Ar puro;
. E de repente, um ovo roxo com bolinhas brancas.
O que será que meu amigo quis dizer quando falou que as pessoas de lá não tinham contato com o mundo? De que mundo será que ele falava?
(...)
O “Lições da Terra” foi o projeto de extensão que por acaso conheci, que mais me encontrei e tive interesse em participar.
Conhecer um pedaço da vida das pessoas de outro lugar, observar, sentir e internalizar as sensações que o trabalho traz, nos faz crescer não só como estudantes, mas como pessoa, como ser humano, e no caso da comunidade que vamos, nos faz crescer como mulher!
A “Aldeia de Mulheres: Abelha Doce Mel”, (Esse foi o nome fantasia que eu dei à realidade da Comunidade Quilombola Pinheiro, rs*) é habitada em sua maioria por mulheres. Os homens migram para São Paulo, para trabalharem no corte de cana ou na panha de café, e por lá ficam durante nove meses do ano.
As mulheres, morando sozinhas ou com seus filhos, plantam, colhem, cuidam dos afazeres domésticos, cuidam dos animais, fazem maravilhas na cozinha, educam os filhos e cantam.
Guerreira ainda é nome fraco para qualificar essas mulheres macho, pais, mães, mulheres, avós, filhas, vizinhas e todos os demais papéis que elas desempenham.
(...)
Dizer ao meu amigo que o interessante é ver que nós também conseguimos de forma simples viver bem e felizes nesses lugares; Não é papo de turista que viaja, acha tudo bonito e volta pra casa, pra vida real. É idéia de quem dança de acordo com a melodia da música e volta pra casa criando pontes entre essas formas de viver, e nossa forma de viver.
As dificuldades que os moradores lá enfrentam, não é motivo para pensar que é um lugar ruim de viver. Dificuldades e problemas até quem têm tudo enfrenta. O mundo é feito de nuvens de algodão e pedras nem sempre preciosas, não é mesmo? A diferença está nas formas.
Lá o universo pulsa devagar; A gente vê as 24h do dia passarem no seu tempo; A gente vê a natureza das coisas; A gente vê que o simples basta, e que o pouco rende; A gente vê que o homem ainda está um tanto distante do que vale a pena saber; A gente descobre que têm mais irmãos do que se imagina; A gente convive com pessoas que apesar de guardarem mistérios no olhar, sabem ao certo o que é SER humano, e são. E aprender, e apreender isso, é Lição da Terra!
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